Os 50 melhores romances da literatura brasileira contemporânea.
Dias de luta, dias de glória.
Há, decerto, uma superabundância na produção literária brasileira (e isso é ótimo); por outro lado, há uma escassez de leitores (e isso é péssimo). Aqueles que leem, todavia, às vezes se encontram em labirintos de dúvidas sobre o que priorizar. A recepção e a crítica das novas obras muitas vezes são um tanto suspeitas ou hiperbólicas, e essa situação só agrava a fragilidade do mercado.
Sou, antes de tudo, um leitor de romances — prefiro-os aos contos, às poesias e até mesmo às notícias. Todos os anos invisto meu tempo na leitura de dezenas de romances lançados, especialmente os publicados no Brasil. O objetivo desta lista é destacar cinco dezenas de romances que me parecem estar acima da média do que se publica por aqui. Há novos clássicos e obscuridades; há poderosas reapropriações do cânone, mas também vanguardismos órfãos.
Esta lista foi originalmente pensada para um grupo de WhatsApp de colegas e amigos interessados (e sem tempo), e continha 100 obras dos mais diversos gêneros, desde o início do século, parcialmente inspirada nas listas do NY Times e do El País. Depois, reduzi o escopo para os últimos 15 anos e decidi me focar apenas naquilo que realmente entendo (ou conheço, depende da autoestima.) Espero que gostem!
Menções honrosas
Alterei esta lista algumas vezes antes de decidir publicá-la por aí, e alguns romances que se mantiveram por muito tempo acabaram perdendo sua "vaga" no final. Por isso, deixo aqui esta homenagem: tanto ao experimentalismo multimídia de Nuno Ramos em Adeus, cavalo [Iluminuras], quanto ao poder sentimental de Tiago Germano em O que pesa no norte [Moinhos]; tanto ao sucesso absoluto de Itamar Vieira Junior em Torto arado [Todavia], quanto ao absolutamente obscuro Metal de sacrifício [Figura de Linguagem], de Luiz Maurício Azevedo. Há muitos grandes romances no Brasil dos últimos anos. De fato também há muitos péssimos romances no Brasil dos últimos anos. Fiquemos com os primeiros.
50. Virgínia mordida, de Jeovanna Vieira [Companhia das Letras]
Não sei em que medida há necessidade de uma literatura pensada para jovens adultos, já que estes sempre me pareceram totalmente capazes de ler o que se publica para adultos. Contudo, se existe, este ocupa-o com perfeição: rápido, austero, convidativo, atual — uma jornada de descoberta.
49. Atado de ervas, de Ana Mariano [L&PM]
De uma beleza do campo e do uso da História de forma revigorante. A prosa de Ana Mariano tem uma força singela e merece mais leitores. A narração nos leva de personagem em personagem, pintando cada vida rural com compaixão e cuidado. Infelizmente a obra já está esquecida no catalogo infinito da L&PM.
48. Demerara, de Wagner G. Barreira [Instante]
A Gripe Espanhola é pano de fundo para trama familiar, com ritmo pulsante e senso de fatalidade, épico intimista que homenageia vidas anônimas do passado. O tema pandêmico que pode parecer reducionista no momento de publicação talvez tenha ajudado na invisibilidade.
47. Ela se chama Rodolfo, de Julia Dantas [DBA]
Tratado lúdico sobre amizade num estilo jovial, sensível, emocionante. Julia Dantas tem uma voz única que sabe reapropriar clichês narrativos na sua escultura textual.
46. Peixes de aquário, de Rafaela Tavares Kawazaki [Urutau]
Pérola perdida no grande e produtivo catalogo da Urutau, um exercício sensível sobre identidade e memória, linhas temporais que se intercalam suavemente, sem cair no didatismo comum de outras obras de premissa parecida.
45. Nem sinal de asas, de Marcela Dantés [Patuá]
Uma fábula contemporânea que não se reduz às suas questões sociais. Um toque especial para comoção e a beleza dos fatos tristes. Uma exemplo da linha de frente da Patuá.
44. Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende [Alfaguara]
Rezende construi suavemente uma narrativa serena e humanista realizada num persistente exercício de busca. Um livro simples, mas potente, construido no vistoso alicerce da empatia.
43. Cerol, de Lucas Guimarães [Kotter]
Surpresa no catálogo da Kotter, um breve romance estruturalmente e narrativamente desafiador que tem como méritos principalmente sua observação da oralidade e sua capacidade de complexificar personagens periféricos além de clichês gastos.
42.Suíte Tóquio, de Giovana Madalosso [Todavia]
Jornada cinematográfica, construção afetuosa. Madalosso é uma autora a ficar de olho, sempre. Um thriller urbano de humor caustico e apuração para a sensibilidade das relações complexas.
41. A extinção das abelhas, de Natalia Borges Polesso [Companhia das Letras]
A queda, a brutalidade, a dor. Um estudo de certas solidões e uma extrema observação do gênero. Tenho para mim que Polesso ainda não atingiu seu auge criativo, mas estamos quase lá.
40. A arte de driblar destinos, de Celso Costa [Fósforo]
Um dos melhores romances de formação das ultimas fornadas, em que formação tem o duplo sentido do estilo literário e também da transformação escolar e sua capacidade de produzir vida.
39. Neca: romance em bajubá, Amara Moira [Companhia das Letras]
O último a entrar nessa lista, talvez de forma precipitada mas com muito orgulho da escolha. Monólogo arrasador, narrativamente capaz de refazer e produzir a língua e uma sexualidade que ri da realidade ao conta-la. Excelente acerto da Companhia.
38. Paraízo-Paraguay, de Marcelo Labes [Caiaponte]
Romance em estilo clássico, saga familiar multigeracional em que história, memória e loucura se misturam. Uma exibição da dor e do trauma e uma exposição de personagens marcantes e únicos.
37. O peso do pássaro morto, de Aline Bei [Nós]
Provavelmente uma das primeiras a aperfeiçoar certo estilo de prosa poética na nossa língua, que, se hoje parece cansada, chegou num excelente impacto. Um livro denso, leve, direto, em que a poesia não se materializa em rodeios.
36. A linha augusta do campo, de Sidnei Xavier dos Santos [Quelônio]
Outra pérola perdida, pequena obra meditativa e rápida, com um interessante (e raro) uso da fotografia, produção de um relato vertiginoso e emotivo sobre a criação artística e sua relação com a vida vivida, tão rigoroso na forma quanto lírico no efeito.
35. Os coadjuvantes, de Clara Drummond [Companhia das Letras]
Belo estudo de personagem sobre uma classe para lá de irritante. Dá para passar raiva, mas também dá para apreciar a construção estética e escolhas narrativas que, apesar da presença constante, não são apenas um exercício de ironia vazia.
34. Assim na terra como embaixo da terra, de Ana Paula Maia [Record]
Uma das inevitáveis, Ana Paula Maia tem aqui sua obra-prima. A urgência e brutalidade caem como a mais bela especiaria na sua narrativa direta, onde o isolamento emocional serve como catalisador de uma história de tensões.
33. A instrução da noite, de Maurício de Almeida [Rocco]
Em primeiro lugar a belíssima capa. Ao alternar tempo linear e fluxo de consciência para dissecar uma família partida, Almeida atinge um resultado bastante particular. Um inventário preciso de certas dores.
32. O avesso da pele, de Jefferson Tenório [Companhia das Letras]
Já canônico, se por vezes muito didático, consegue preservar uma força motora a cada paragrafo, explorando com profundidade a subjetividade do protagonista negro. As memórias, a vida, o sonho, o trauma. Inescapável.
31. Ribamar, de José Castello [Bertrand Brasil]
Prosa madura e concisa pulsa em frases curtas e rítmicas, quase música, esbanjando sutilezas estilísticas refinadas. Espécie de diário entre o intimista e a homenagem, um livro bastante particular que merece mais atenção.
30. Paisagem com dromedário, de Carola Saavedra [Companhia das Letras]
Narrativa fragmentada no limiar entre a ausência e a luz. A vida por trás de um texto, a forma como vetor da expressão. Mosaico de memórias em forma de gravações introspectivas, a voz da protagonista dissolvendo as fronteiras entre passado e presente. Belíssimo livro. Pra mim, já um clássico.
29. Caminhando com os mortos, de Micheliny Verunschk [Companhia das Letras]
O melhor Verunschk insiste em alguns dos seus temas e cacoetes mas amplia a concepção e o estilo produzindo uma obra mais eterna, que foge dos clichês das questões de silenciamento e realmente nos proporciona novas vozes.
28. Depois que as luzes se apagam, de Tadeu Rodrigues [Nós]
Fábula sensível de construção poética que celebra o reencontro de sonhos perdidos. A prosa contida explora com ternura os temas do circo, da arte e da amizade, entrelaçando uma linguagem particular com uma expressão direta.
27. A palavra que resta, de Stênio Gardel [Companhia das Letras]
Ternura e redenção. Se por vezes afetado demais, é porque talvez seja a necessidade que o estilo impõe para o funcionamento do texto. Gardel surge como uma voz que me traz curiosidade e certa certeza de que ainda tem muito a oferecer.
26. Vermelho amargo, de Bartolomeu Campos de Queirós [Global]
Um cântico sobre a perda e a esperança, extremamente pessoal em seu tom poético de rememoração, um testamento de uma vida que optou pela beleza, frases que escapam da dor e vão imbuindo a jornada de magia.
25. Extremo oeste, de Paulo Fehlauer [Cepe]
Linguagem enxuta carregada de marcadores de afeto, um livro de viagem, de busca, onde capa horizonte pode ser transformador, pois o fim de um mundo pode ser também o início de outra história
24. Elefantes no céu de Piedade, de Fernando Molica [Patuá]
Lirismo e absurdo em um cenário urbano levemente fantástico. O título já indica certo surrealismo, sugerindo reflexões sobre o impossível do cotidiano. Dialoga sim com nossa grande tradição latina, mas também é bastante particular.
23. Nihonjin, de Oscar Nakasato [Benvirá]
Escrita direta e límpida entre o cotidiano simples e os grandes conflitos culturais. Uma elegância discreta e a revelação de certo mundo. Narrativa forte, sem firulas, que agrega um certo espírito ao correr do texto.
22. A noite da espera, de Milton Hatoum [Companhia das Letras]
Um Hatoum menor ainda é um Hatoum. Exílio, amadurecimento, ditadura. Poderia ser o texto de outra época mas um dos nossos grandes autores sabe como as palavras são destinadas a um novo tempo.
21. Você me espera para morrer?, de Maria Fernanda Elias Maglio [Patuá]
Pacto infantil como epopeia de esperança. Narrativa curta, quase aforística, avança como cânticos de espera: cada lembrança se alimenta de silêncio e expectativa. Mais uma preciosidade da Patuá.
20. Enquanto os dentes, de Carlos Eduardo Pereira [Todavia]
Realismo mordaz, prosa sintética, uma janela ao Brasil comum de pessoas comuns e problemas absurdos. Um homem que sobrevive e negocia seus gritos. Um mapa autoral de uma cidade absurda.
19. Anatomia do paraíso, de Beatriz Bracher [Editora 34]
Múltiplas vozes num arranjar de tensão e densidade dramática, cruzando lirismo filosófico com realidade urbana. Livros ancorados em livros, sentimentos e existências como continuidade de outros. Uma prosa densa e particular.
18. O embranquecimento, de Evandro Cruz Silva [Patuá]
O que fazer da raça? Tema central da nossa literatura contemporânea encontra uma nova voz, que não faz da vivência academia um embuste para o texto e sim a problemática em si. Curto e denso, um livro de transtorno.
17. O crime do cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz [Malé]
Se a pós-modernidade estigmatizou os gêneros literários, ainda existem aqueles capazes de fazer a maquina funcionar. Alves Cruz usa da linguagem envolvente e policialesca para investir aquilo que realmente importa.
16. Diário da queda, de Michel Laub [Companhia das Letras]
Estudo do trauma geracional resolvido em detalhes íntimos. A prosa direta, quase ritualista, escava o ordinário para revelar fissuras de horror. Um exame de certa consciência coletiva. O melhor Laub.
15. Oito do sete, de Cristina Judar [Reformatório]
Vertiginosa e contemplativa ao mesmo tempo: saltamos em abismos metafóricos, perdidos num romance de ritmo hipnótico, um exercício vanguardista sensorial por monólogos de narradores suspeitíssimos.
14. A importância dos telhados, de Vanessa Molnar [Cepe]
Franqueza e sentimentalismo como formas de escape e resistência ao trauma. Falar, lembrar, ouvir. Uma prova dos detalhes cotidianos como gatilho das crises pessoais e sociais, um olhar ao país e ao espírito.
13. Desesterro, de Sheyla Smanioto [Record]
Prosa lírica e austera num épico familiar. Gerações de mulheres enfrentam a vida, a terra e a seca. Pequenas revoltas diante do terror do mundo. A persistência feminina num texto inescapável.
12. Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera [Companhia das Letras]
Li mais de 10 anos atrás mas ainda sinto sua marca. Já canônico, mas merecido. Galera nunca repetiu essa qualidade de escrita, mas a elegância permanece. Um narrador esperto e um realismo que engana.
11. Sismógrafo, de Leonardo Piana [Macondo]
Prosa sensível e concisa mediada pelo coração, um deleite de sentimentos intensos e proibidos, um livro conquistador. A alternância do tempo e o ritmo vibrante constroem um romance sofisticado.
10. Fiados na esquina do Céu com o Inferno, de Eury Donavio [Coqueiro]
Outro exercício mágico que transforma o regionalismo num mundo a ser descoberto, narrado e vivido. A linguagem arrojada é motor da fabulas numa obra que parte do comum para atingir o mais singular.
9. Essa coisa viva, de Maria Esther Maciel [Todavia]
Escritora por excelência, Esther Maciel realiza seu livro mais pessoal e mais tocante. Sua sensibilidade transforma-se em analise da vida, da relação e do mundo ao redor. Prosa certeira, bela, reinventando o mundo em busca da cura.
8. A cabeça do santo, de Socorro Acioli [Companhia das Letras]
Mestra do realismo mágico contemporâneo, Acioli mostra o que faz de melhor nessa obra. Algo que soa como a mais ridícula novela de TV e o mais sofisticado romance latino-americano ao mesmo tempo. Grande livro.
7. Canção para ninar menino grande, de Conceição Evaristo [Pallas]
Clássico moderno de uma das nossas maiores escritoras vivas. Uma prosa que de simplicidade em simplicidade constrói um todo avassalador. Evaristo é sutil e ao mesmo tempo radical, num estilo que transforma o coletivo em íntimo.
6. No fundo do oceano, os animais invisíveis, de Anita Deak [Reformatório]
Deak merece muito mais atenção do que recebe. Obra sinestésica, com uma inclinação experimental e particular, e uma prosa que reverencia a existência de um mundo além da experiência pessoal. Um conto do ambiente.
5. Louças de família, de Eliane Marques [Autêntica Contemporânea]
Difícil fugir dos clichês de resistência e ancestralidade, mas alguém fez isso melhor do que Marques no romance brasileiro? Maravilhosamente construida, um romance detalhista e transformador que veio para ficar.
4. Via Ápia, de Geovani Martins [Companhia das Letras]
De um realismo muito particular surge uma voz autêntica e com muito a dizer, retomando o romance como veiculo de conversa social e ao mesmo tempo como produção de personagens que tocam nossa alma. Outro clássico moderno.
3. Glória, de Victor Heringer [Companhia das Letras]
Absolutamente hilário, a obra prima de Heringer é o mais perto do que temos de um grande romance nacional nos últimos anos. Cínico, absurdo, social e ciente de que tudo isso funciona como sinônimo no nosso mundo. Incontestável.
2. Opisanie Swiata, de Veronica Stigger [Cosac Naify]
Tratado experimental de uma de nossas maiores escritoras contemporâneas, um colosso em ritmo de sonho, narrativa idiossincrática e algumas ideias sobre isso que chamamos de país. Obra prima.
1. Front, de Edimilson de Almeida Pereira [Nós]
Linha de frente da poesia nacional, Pereira lançou simultaneamente uma trilogia de romances curtos. Dos três, esse é onde sua voz poética mais transforma a materialidade do gênero romanesco e escava os destroços dum mundo contemporâneo e distópico em ruínas.
nossa, concordei com quase tds as indicações pq não conheço tds. Cabeça de Santo tem uma historinha de amor muito fubá que me fez desistir no meio!
Deixando esse post salvo pois quero ler muitos dos citados, obrigada por compartilhar 💜